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segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A camuflagem da aparência

Eu sou reservada, e como meu namorado e os amigos dele gostam de dizer, eu fico na minha, quietinha mas sempre ligada à conversa. Como eu estou observando, baianos são mais para fora, mais tagarelas. E eu não gosto de rotular, mas nunca encontrei um baiano tímido. Deve ser uma espécie rara. Na verdade, não sei ainda, qual é que me faz mais estrangeira aqui em Salvador, ou minha nacionalidade ou meu jeito de ficar calada. Sendo uma “nada falante,” eu não divulgo minha identidade estadunidense muito através do meu sotaque. Sem falar, eu fico escondida na camuflagem da minha pele. Bronzeada e vestida de roupa brasileira, eu viro de gringa afro-americana a negona rasta, uma fantasia que possui suas próprias rotulações.

Embora não seja muito comum ver uma menina baiana com cabelo rasta, já vi duas, então eu vou dizer que meu cabelo ainda dá para esconder minha identidade. Como eu estou morando na Barra, estou observando que turistas chamam muita atenção de pessoas querendo dinheiro. “Olá, meu amigo” ou “Hello, my friend” são frases bem ouvidas nas ruas de Barra, particularmente perto da praia onde a palavra “amigo” vira a significar “estrangeiro que tem dinheiro, ou algo mais que eu estou querendo.” Por ter me escondido em silêncio, eu ainda conheço pessoas na Barra que me chamam de “Americana,” mas ainda posso dizer que eu nunca fui roubada por ninguém. Eu acho que isso é porque eu tenho a aparência de alguém que não teria dinheiro se fosse brasileira. Primeiro, sou negra. E segundo, meu cabelo não é “bem-cuidado” nos olhares de todos, e por isso pode ser igual aos cabelos dos hippies que vendem brincos na praia, ou dos capoeiristas, que, até recentemente, não foram tão respeitados pela sociedade.

Nos pensamentos das pessoas preconceituosas eu não pareço como eu tenho um trabalho certo ou que eu possuo nenhuma coisa de valor. (Já encontrei pessoas que não acreditaram que eu poderia ter um cartão de credito no meu nome.) Poderia ser que eu gastei tudo comprando maconha e álbuns de Lucky Dube? Mas interessantemente, ninguém nunca me ofereceu drogas na rua. Na verdade, a maioridade das pessoas que me aproximam só querem saber se eu posso fazer o cabelo deles, ou como foi que eu fiz o meu. É a mesma idéia no Pelourinho. Nenhum vendedor agressivo tentou me dar um “presente” pago de uma fita de Bom Fim, que, amarrada no pulso, é uma marca de turista ainda que seja usada pelos brasileiros também. Embora seja baseada em preconceitos, minha camuflagem de ser uma rasta brasileira me ajuda evitar situações chatas com pessoas interesseiras, ou seja, pessoas que sobrevivem pelas bolsas dos gringos.

Mas ao entrar no meu apartamento, tudo muda. Os únicos negros que eu vejo no meu edifício são os porteiros e as empregadas. Tenho vizinhos que têm medo de mim até eles correrem ao elevador para não ter que dividir comigo. (Isso aconteceu só alguns dias atrás!) Tenho outros que não me cumprimentam por pensar que eu sou empregada. Tenho outros que fecham o portão atrás deles, sabendo que eu estou chegando para entrar. Tenho outros que ficam olhando para mim, quando eu encontro com meu namorado (quem também é negro) no portão. Eles ficam olhando como nós estejamos esperando alguém sair para poder roubá-lo. Demoraria muito, se eu tentasse de lembrar cada momento de desconforto e discriminação por causa da minha aparência. Mas nesses momentos eu não fico muito chateada porque eu gosto mais de ver as caras de surpresa quando eu pego o elevador social (em vez do outro de serviço) ou quando eu falo inglês no meu celular. Eu não tenho que provar nada para eles. Na verdade, eu só preferia mostrar para eles que seus preconceitos são errados, que eu trabalhei e estudei muito para chegar aqui no Brasil e que eu não preciso de roubar ninguém.

10 comentários:

Anônimo disse...

Meninas,

Muito interessante os textos de vocês. Adorei ler cada olhar sensível, travestido em palavra boa de estar na gente. Parabéns! E nada de pararem de escrever, ouviram?

Um abraço muito brasileiro,
Sarah

Unknown disse...

Olá!
muito bacana o blog, muito bem escrito e com reflexões muito profundas.
Sou uma baiana negra, talvez não pareça baiana. Algumas vezes, os vendedores da Barra vinham falar inglês comigo pensando que eu era americana. Não sei muito porque, talvez o estilo de vestir...sei lá...
Mas seu olhar apuradado é maravilhoso. Já senti em outras cidades a mesma sensação que vc nota aqui. Em outras cidades nordestinas, de igual abordagem com os turistas, eu quase sempre fui ignorada. Não devo ter cara de quem tem cartão de crédito na carteira...
E sim, o racismo daqui é velado e se esconde por outras formas, por outros olhares.O que às vezes nos dificulta reagir.
Grande abraço

Christiane M. disse...

Oi Aichlee,

Vejo que as suas percepções estão ficando bem aguçadas! É, baiano é muito simpático e extrovertido, mesmo. Eles, no meu ponto de vista, têm um jeito bem dado, bem doce de ser. E o sorriso? Não tem igual (bem, talvez os potiguares!)Mas, apesar de se falar em racismo velado no Brasil, ainda acho que é aqui nesse país que muitas raças ainda vivem e convivem em paz. Se você observar, não deixamos de nos misturar (socialmente e sexualmente!)Por isso, sempre digo aos meus alunos afros que se eles acharem um branquinho purinho da Silva que façam o favor de me avisar, porque até agora, nem lá no sul do país achei...! Parabéns pelo seu trabalho e pelo professor que tem.
Abraços,
Profa. Christiane M./UnB-PEPPFOL

Anônimo disse...

Oi Meninas:
Gostei muito do texto, sobre "a camuflagem da aparência"; também sou estrangeira, morando em Brasilia e descobrindo este país; o blog é portanto um estímulo para a gente como eu que está intentando falar e escrever algum dia o portugués como vocês...
O camuflagem ?, interessante conceito.No meu ponto de vista ninguém escapa em algum aspecto de sua vida ao jogo de ser outro aos olhos da gente que nos rodeia ...
Abracos
Margarita

felipe disse...

eu não sei muito sobre a cultura baiana,o unico que eu sei deles é que falam devagar porque tenho um vizinho que conta piadinhas de baianos imitando o sotaque deles e me parece muito engraçado o jeito como ele conta as piadinhas.
achei muito interesante saber da experiencia de uma pessoa que mora lá, conhecendo e vivendo essas costumes no dia dia .já que eu moro longe (brasilia).
também gosto das pessoas com rasta ,acho isso muito legal.

Anônimo disse...

Oi Aichlee:

Eu tem que confessar que eu visitei seu blog como parte de uma tarefa ordenada por minha professora (eu estudo portugues, nivel intermedio, em UNB, Brasília).

Mas, eu devo confessar tambem que esta tarefa foi muito agradavel porque voce escreve muito bem. É uma grande escritora, e suas ideias som originales e están muito bem desenvolvidas.

O racismo no Brasil é um tema. Eu acredito que vai levar muito tempo para ter um Obama aquí. Eu nao conheco muitos diplomatas ou politicos negros. Será uma casualidade? Eu acho que nao...

Parabéns, Carlos

Teka disse...

Fico imaginando como você é...
deve ser linda *.*

Quanto a esse tipo de preconceito, não se ofenda, mas acho um assunto tão batido... simplesmento ligo o meu "foda-se" pra esse tipo de coisa e só.
Sou negra também e talvez nunca tenha passado por isso porque não "vejo". Como disse uma vez Glória Maria: "eu não tenho problema com a minha cor, eles têm."

Unknown disse...

Meninas, os textos de vocês são muito bons. E já estão falando direitinho, que lindo!

Muito interessante este post " a camuflagem da aparência".

Eu sou brasileira, muuuuito branca e quando estou em Salvador também sou vista como um et. hehehe, mas tudo bem.

abraços!

Marcia G disse...

Li e adorei. Aliás seu português também está nota 1000 parabéns!

Anônimo disse...

Garotas, saiam desse 'lugar', viajem pra outros lugares... nao se pode 'rotular' um pais inteiro pela sua experiencia... afinal, la no meu interior, nem todos tem a tal empregada... sinto muito que vcs escolheram ficar num lugar so'... mas se ter um jeitinho, viajem mais... cidades pequenas... boa sorte.