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sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Ilha das Flores (Jorge Furtado)

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Esse menino estrangeiro


Praia da Barra (Morro do Cristo)



Queridas Aichlee, Amy, Lisa, Paola,

Queridas e queridos visitantes deste blog,

Pela primeira vez participei de um projeto de blog para um curso de português para estrangeiros, sem escrever, sem me manifestar no suporte, o blog. Naturalmente, as meninas autoras deste acontecimento multimidiático de trocas interculturais em português variedade brasileira estiveram em diálogo comigo durante todo o processo. Em geral, os textos antes de chegarem aqui passaram por pelo menos uma reescrita, após indicações de correção e comentários sobre forma e conteúdo, sobre possíveis respostas suscitadas pelos textos, sobre as intenções, as práticas, os contextos relacionados aos discursos.

Foi um semestre intenso, hem? Não sei para vocês, mas para mim, nossa! Foram quatro meses de idas e vindas. Karin, uma das autoras do gringos tagarelas começou com a gente, mas por causa dos horários da Universidade Católica, teve que ir para as aulas da queridíssima Tânia. Ina estava muito interessada e entusiasmada, mas teve que ficar com as aulas de Fotografia do também querido Edgard Oliva. Perdi dois alunos para dois professores amigos. Logo, não perdi, eles, alunas e professores, é que ganharam. Ganhei quatro meninas estrangeiras. Foram elas que se nomearam assim. Ou pelo menos foi Lisa que deu o nome e todos, inclusive eu, aceitamos.

Demorei muito para escrever por muitos motivos. Além de todas as minhas atribuições de professor em final de ano, neste eu resolvi me inscrever para o Mestrado em Letras da UFBA com um projeto para a área de Ensino de Língua Estrangeira. Como eu já tinha cursado um outro Mestrado, só que em Teoria da Literatura, não podia fazer feio. Passei e agora vou continuar (não começar) minha pesquisa sobre blogs como ferramenta de ensino-aprendizagem de Português como Língua Estrangeira. Acredito que um blog neste caso é muito mais que uma alternativa de material didático, mas um lugar de interação real, de práticas discursivas significativas para o professor e os aprendizes e, mais importante, um ambiente virtual em que os papéis de professor e aprendiz são ressignificados.

Além da seleção pro Mestrado e das turmas de brasileiros e estrangeiros que tinha que concluir, participei do X Seminário de Lingüística Aplicada, coordenando uma Sessão Temática http://www.sla.letras.ufba.br/programacao_mais.htm#1012com na qual apresentei um trabalho sobre este blog e algumas trocas interculturais observadas entre as autoras e os brasileiros que deixaram alguns comentários. Vou falar muito brevemente do que tratei nesta comunicação, que deve ser publicada nos Anais do evento citado.

Nesta pesquisa, pretendo demonstrar, com base em uma experiência de mais de um ano e três blogs, como este suporte/ambiente virtual pode servir de espaço de aprendizagem significativa não só para os “estrangeiros”, mas para os brasileiros, o que inclui o professor. Longe de uma retórica vazia adepta de certos modismos pedagógicos, venho observando que à medida que vamos praticando a escrita regular, socialmente motivada porque com leitoras e leitores reais, os temas vão surgindo não por imposição do professor ou do plano, mas da necessidade de compreender o Brasil, os brasileiros e as brasileiras e a própria cultura de origem de quem escreve.

Partindo de um conceito de ALMEIDA FILHO, o de desestrangeirização, fui com o tempo observando que quem mais vai modificando a percepção da língua-cultura do Brasil sou eu. Modifico porque as perguntas que me são feitas me fazem olhar a minha língua-cultura como quem vê de fora, como quem está também aprendendo. Problematizando o lugar de estrangeiro, problematizo o meu lugar de nativo e de professor. Aprendi com Paola, Amy, Aichlee e Lisa (neste semestre, além dos outros estudantes, brasileiros e estrangeiros) em quatro meses o que Paulo Freire, Homi Babha, Said Ali, Fantz Fanon, Michel Foucault vêm duramente tentando me ensinar há alguns anos: desacreditar dos estereótipos, das verdades inquestionáveis, das trocas desinteressadas, dos saberes higienizados, das respostas fáceis.

Foi movido por este espírito questionador e problematizador que pela terceira vez propus um blog a uma turma de estudantes estrangeiras. E elas toparam. Jamais pensando nelas como cobaias de uma experiência de laboratório virtual, mas partindo da crença de que temos nessas “meninas estrangeiras”, como vocês bem podem ver nestes textos aqui publicados, autoras também em português brasileiro, dotadas de voz e vontade, sujeitos de uma história que se vai escrevendo e que não acaba nunca, como eu gostaria muito que nunca acabasse esse blog.

Aguardo vocês, meninas estrangeiras, com seus comentários, e vocês leitoras e leitoras deste blog. Foram mais de 500 pessoas nos 5 continentes (o "whos amung us" deu pane, infelizmente! mas passou muito mais gente do que o mapinha do lado está mostrando agora). Aguardo novos textos das verdadeiras autoras deste projeto. Conto com a ajuda de todas e todos para minha pesquisa de mestrado, que não pretende revolucionar o mundo, mas que quer contribuir com a sistematização de uma metodologia que vem dando certo, como Aichlee de forma tão generosa testemunhou no texto abaixo. Volto em breve.

Feliz 2009!

Salvador, segundo a minha varanda (minha até março de 2009!)



terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Minha despedida

Como eu só tenho duas semanas e alguns dias até eu voltar aos EUA, eu já estou sentindo saudades. Minhas aulas já acabaram e agora a única coisa que eu tenho para fazer é pensar em cada coisa de que eu vou sentir a falta depois de ir embora. Mas esses dias eu estou sentindo bem mais alerta e observante. Pode ser porque eu sou de ferias, mas eu penso que é porque eu não quero perder as detalhes dessas últimas semanas aqui no Brasil. Agora eu quero ser uma esponja para absorver tantas lembranças quantas eu posso, para guardar, e rever no futuro. Como minha maquina fotográfica quebrou na semana passada vai ser ainda mais difícil lembrar de tudo que eu vou ver nas semanas que vêm, mas eu estou escrevendo também, e eu sei que (por causa da internet) eu sempre vou poder conversar com a galera do programa, meus professores e outros amigos para relembrar os momentos bons que eu experimentei aqui.

Na verdade, além da abundância de atividades culturais e experiências pessoais com as várias pessoas que eu conheci, eu aprendi muito na aula de português. Durante as eleições, a gente conversou muito sobre a política, e por isso eu virei mais ligada não só à política brasileira, mas também à política internacional. Embora eu ainda não leia o jornal daqui, eu gostei muito dos artigos que a gente leu na aula, particularmente aquele sobre analfabetismo aqui na Bahia. Eu fiquei tão inspirada por esse artigo que eu estou pensando agora em estudar como alfabetizar crianças e adultos. Na verdade, eu sou poeta e gostaria muito ensinar poesia e aulas de literatura, mas quando eu reparei que eu conheço pessoas que nem sabem ler a palavra “poema” ou qualquer outra palavra que pode ser útil na vida, eu decidi aprender mais sobre alfabetização. Mas esse interesse novo não significa que eu vou abandonar os escritores que a gente conheceu na aula. Por exemplo, eu adorei os poemas de Cecília Meirelles, para quem nossa sala de aula está chamada. Também gostei muito de Clarice Lispector, e estou feliz que eu finalmente tenho um nível de entendimento de português com que eu posso ler e reconhecer as brincadeiras de palavra.

Eu também estou reparando que com o trabalho de produzir um texto cada semana, eu estou escrevendo bem mais regularmente, que usualmente é difícil para mim. Embora eu gostasse da liberdade de escolher nossos assuntos, era muito legal ter tarefas especificas como a entrevista. Eu me senti como uma jornalista verdadeira. É uma pena que o semestre terminou tão cedo porque eu ainda tenho idéias e observações que não tinha a oportunidade de desenvolver aqui. Vou guardar esses assuntos para o futuro. Espero que vocês me visitem no meu blog de vez em quando. Era um grande prazer dialogar com vocês. Obrigada pela sua atenção, sua companhia, e suas respostas.

Beijos,
Aichlee

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

a última carta...

Eu não tenho palavras. Não as tenho e acho que nunca vou tê-as. Não é por que não sei, além de sempre dizer isso. Digo muito essas duas palavras não sei e não é que realmente não saiba, porque com certeza a resposta fica lá dentro, guardada embaixo de toda a confusão sentimental – que nunca é algo claro. Eu sei, mas digo que não sei para me dar um pouco de tempo, para tentar encontrar as palavras certas para descrever o que quero dizer, o que sinto. Como traduzir sentimento em linguagem? Sempre fico frustrada sobre isso. É algo com o qual luto constantemente.

Já comecei mas ainda não sei como começar.....nunca sei quando vêm momentos assim onde existe essa oportunidade para dizer a coisa certa nas palavras perfeitas que traduzem o sentimento justo que quero transmitir. É essa a imagem que vai ficar para sempre ou pelo menos até eu voltar no imaginário das pessoas de quem sou eu. Tem que ser bonito, inteligente, pelo menos engraçado. Mas, ninguém me disse o que dizer quando nem sei o que é que estou sentindo. Suponho que seja uma mistura de coisas, suponho que para mim seja assim sempre, que o sentimento é tão difícil de traduzir em palavras por isso mesmo: a pluralidade. Não tenho as palavras certas no momento certo......em nenhum momento.

Às vezes acho que tenho uma visão romântica sobre as despedidas. É uma visão que tenho fixada na minha mente, onde tudo é lindo e triste (mas realmente é mais lindo do que triste). Preparo tudo para o dia chegar. Faço as compras. Vou ao Mercado Modelo de novo, ao Pelourinho dessa vez com cara de turista querendo comprar as coisas "típicas" que me davam vergonha comprar antes. Visito uma última vez a feira de São Joaquim para achar as mesmas coisas que sempre vi e que sempre deixei para lá, para comprar depois que supostamente irão servir como lembrança. Acho que a lembrança vai ficar nas memorias que fiz de cada viagem que fiz para esse mercado. Lembro de cada um, como uma viagem diferente, acompanhado por pessoas diferentes, me dando uma história nova para contar cada vez. Nunca me canso de ir lá, além de sempre passar por às mesmas bancas, cada vez é como a primeira. Faço um passeio pela cidade que eu conheço. Os lugares que freqüentei muito, os que sempre eram iguais, dessa vez também são iguais. Visito os lugares que sempre fui e não dá tempo de visitar os outros que tenho botado em uma lista. Ainda quero ir para a praia do Flamengo, Itaparica (ainda não fui!! Pode acreditar?), Ilha de Marê, Chapada da Diamantina, Morro de São Paulo.....e segue aumentando a lista. Aqueles lugares são a promessa de eu voltar. As coisas que não fiz, os lugares que não conheci....vão ficar para depois. No último momento, faço as cartas que vou deixar, dizendo as coisas que não posso dizer em voz alta, que sei que não vai dar tempo na velocidade corrida para chegar ao aeroporto que me espera nesse dia tão planejado para não ser assim, mas que sempre termina sendo assim. Corrido. Escuto música e tento enfiar na mala todas as compras e coisas que tão fácilmente entraram antes de sair da minha casa em Wisconsin em uma mala só. Será que o calor daqui aumentou o tamanho das coisas? Creçeram por eu morar tão perto da praia? Não a posso explicar.

Sempre acho que quando chegar na hora de me despedir de algum lugar e de alguma pessoa (às vezes se confundem) vou saber como reagir. No instante vou ter as palavras adequadas saindo da boca e vão sair com fluidez e ritmo. Mas nunca acontece assim. Tomara que só fizesse as cartas para no caso mínimo não saber expressar que vou ter tantas saudades, que aprendi (e talvez não a mostrei certo mas mesmo assim aprendi) de você, que não posso imaginar a minha vida sem você, a praia, o sol, os cheiros. Que me desculpa por ser chata e groseira as vezes, por desprezar você, por não aproveitar o suficiente do nosso tempo (que foi pouco) juntas. Como despedida, fico parada em um engarrafamento estressante, olhando o meu relógio cada minuto em vez de aproveitar os últimos minutos com você. Corro pelo aeroporto só para passar pelas guardas e para toda essa segurança ridicula que tem lá. É um sistema terrível, uma máquina quase cruel. Só para esperar sozinha, dentro do aeroporto, sem você. Nunca sai como quero, como tenho planejado na minha mente, romantizado, glorificado. Eu ainda não estou pronta para voltar. Ainda faltam muitas coisas, me sinto insatisfeita com o Brasil, com o que eu fiz aqui. Além de saber que fiz muito, que aprendi mais do que pensei que ia aprender, não é suficiente. Quero mais. O Brasil é assim. Uma vez que soube algo, fiquei ainda mais interessada, é hipnotizante. Tenho perguntas que ninguém me respondeu, tenho perguntas que nem fiz, tenho dúvidas que nem eu sei o que são.....ainda. Não quero me despedir, ainda não. Então, agora vou sumir. Com essa lista de lugares que ainda não visitei na minha mão, vou sumir. Sem palavra alguma porque já não precisa. Já sabe o que quero dizer....né? Pode ser que encontre uma carta na mesa ou na almofada da cama quando voltar da viagem que fez para me deixar no aeroporto. É essa carta que estou deixando. Sem respostas, sem despedida, sem palavras.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Sambando no Rio

Como primeira coisa tenho de dizer que sou desafinada e não sinto o ritmo, ou seja, para dizer a verdade, não sei nem cantar nem dançar.
Porém, como diz João Gilberto que "os desafinados também têm um coração", me emocionei muito assistindo ao ensaio técnico da escola de samba Portela no Rio.
Quando o guia me deixou sozinha às nove e meia da noite no grande espaço da escola, cheio de luzes e de gente, me senti perdida e pensei:"Eu que faço aqui?"
No começo achei que seria uma boa tática fingir de cantar, abrindo os lábios sem emitir som e mexer um pouco o corpo de maneira confusa mas discreta, sem atrair a atenção, mas pronto percebi que não precisava fingir nada, porque havia muita gente que ficava ao lado da pista só olhando.
Me senti muito aliviada, ainda mais por ver o que acontecia no salão, onde as pessoas que faziam o ensaio não tinham muita habilidade.
Era o grupo das mulheres, nem lindas, nem jovens, nem peladas: simples mulheres do bairro (Mangueira), algunas velhinhas ( uma tão velha que eu estava seriamente preocupada pela sua chance de chegar com vida até o final do ensaio ) e na maioria dos casos totalmente despreocupadas com o aspecto artístico e coreográfico do samba.
Era uma total anarquia: cadauna dançava com seus passos e suas figuras.
Algunas viravam de esquerda a direita e outras de direita a esquerda - ao mesmo tempo, claro-
uma levantava os braços, agitando a cabeça, en quanto a companheira ao lado guardava uma atitude de aristocrática compostura.
Inclusive as duas garotinhas que dançavam no tablado exibiam uma falta total de coordenação.
A coisa mais engraçada era que os intrutores não faziam nanda para disciplinar o caos: iam entre elas com os passinhoas do samba, cantando, sorrindo e senhalando a aprovação com a cabeça.
Outra coisa inacreditável é que todo o mundo no salão nunca parou de cantar a mesma canção por duas horas seguidas.
Viva Portela...Portela, você é a mais bela...
Naturalmente, cadaum do seu jeito.
Os intrutores recomendavam: mais alto, mais forte, pronuncia mais clara das palavras, e todos continuavam como antes.
E não agem assim por no ter em conta o evento, porque se vê que todos seguem com muita atenção e seriedade, inclusive as pessoas que ficam ao lado da pista de baile.
Ninguem está brincando!
Será que eles sabem que o samba é liberdade, livre espressão da pessoa que encontra a armonia no grupo?
Porque eu sei que nos dias do Carnaval acontece o milagre e a escola desfila, linda, organizada, uma verdadeira maravilha!
Será que o samba é como uma metáfora do Brasil, onde a partir do caos e da anarquia se chega à armonia e ao bem sucedido?
Pois não?
Paola

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A questão de democracia racial no Brasil

O seguinte é um texto baseado em uma apresentação que eu fiz para o final da turma:


A questão de democracia racial no Brasil

O que é democracia racial?

A teoria de democracia racial diz que, em comparação aos EUA, nos países latino-americanos inclusive o Brasil, não existe o racismo intenso que caracterizou os relacionamentos raciais norte-americanos nos séculos XIX e XX.

A teoria esta baseada nesses três fatos:

1) Que, nos países latino-americanos, depois da abolição de escravidão, não existiam leis de segregação que permitiam discriminação racial.

2) Que, agora, não existe tanta violência racial (linchamentos e outros crimes de ódio) feita por grupos racistas como o KKK.

3) Que a miscigenação racial ocorreu muito na historia dos países latino-americanos

A teoria também diz que qualquer desigualdade racial que encontraria em América Latina existiria somente porque os recursos (como moradia boa, empregos com rendas agradáveis, e escolarização) antigamente eram negados por razoes racistas e não porque ainda existe racismo nesses países.



Aqui temos, Frank Tannenbaum, um sociólogo Americano que escreveu um livro, Escravo e Cidadão, que compara racismo nos EUA com racismo em América Latina. O livro, que foi publicado em 1947, sugere que existe democracia racial no Brasil. Eu li o livro no ano passado, e a maioria de meu entendimento de democracia racial vem dessa leitura.



Seguindo os teoristas da democracia racial, a igualdade racial existe em América Latina (e não nos EUA) por causa desses três fatores:

1) Como os colonistas ibéricos (que chegaram em América Latina) já tinham experimentado o governo dos mouros que durou quase 800 anos, não tinham aquele pensamento que pessoas com pele escura (quer dizer, os indígenas e os africanos) eram sub-humanos como pensaram os colonistas europeus (que chegaram em América do Norte.)

2) Ao contrario da doutrina puritana de América do Norte, catolicismo considerava os indígenas e os africanos como pessoas que tinham almas, então não tinham problemas interagindo pessoalmente com eles.

3) Os primeiros colonistas de América Latina não chegaram com suas famílias, como aconteceu em América do Norte e por causa disso eles tinham mais relacionamentos sexuais e emocionais com mulheres africanas e indígenas, o resultado sendo que ainda não se encontra discriminação racial por causa da miscigenação

Embora a idéia de democracia racial já esteja considerada um mito pelos sociólogos, ainda existem pessoas que chegam aqui no Brasil com a expectativa de achar um paraíso racial. Muitas vezes são afro-americanos.

Dois anos atrás eu li um artigo publicado em Essence Magazine, uma revista afro-americana, que enfocou nos homens afro-americanos que viajam cada ano para o Brasil. O artigo disse que todos os homens estavam largando mulheres afro-americanas para ficar com mulheres brasileiras, que eram prostitutas. Embora turismo sexual seja problemático aqui no Brasil, o artigo não tratou bem desse assunto e em vez disso virou uma reclamação xenofobica e ignorante. Eu pensei que o artigo era uma bobagem, mas tinha algumas respostas na parte de entrevista que eram mais interessantes. Os homens falaram que gostavam do Brasil mais do que os EUA porque no Brasil eles se sentem mais respeitados, pelas mulheres, pelos donos das lojas, e pelos garçons.

Na verdade, eu acho que eles estavam sentindo a valorização de ser americano e não de ser negro. Por que? Porque têm dinheiro. Geralmente profissionais da classe-media nos EUA, aqui eles são ricos. Se eles chegassem aqui e parecessem obviamente turistas com roupa americana, e falando inglês não teria como ficar ignorados nas lojas e restaurantes, ou considerados como ladrões ou traficantes. Por não ter sofrido discriminação parecida com ela que sofrem do dia a dia nos EUA, e também por ter visto (particularmente aqui em Salvador, que é um destino popular) a valorização da cultura negra, eles pensam que não existe problemas raciais no Brasil.



Aqui temos Ilê Aiyê, um bloco afro que tem muitas músicas contra racismo, sobre a valorização do negro no Brasil. O grupo é muito popular entre turistas.

Embora seja claro que todos os afro-americanos não pensam assim, eu queria falar do artigo só para mostrar que a idéia de democracia racial não é completamente antiquada.

Antes de chegar aqui, eu recebi um texto escrito por Professor Jefferson sobre ser negro no Brasil que ele escreveu para os estudantes do CIEE. No artigo ele tratou do mito de democracia racial e o papel que ele tem aqui no Brasil. Jeferson diz que a harmonia e evitação de confrontação racial fazem parte da nacionalidade brasileira, e também expressam a ideologia racial brasileira. Mas, embora ele avisasse que negros brasileiras não iam querer falar sobre racismo, eu já ouvi muitas coisas sobre racismo brasileiro, e vi ainda mais com meus próprios olhos.

Aqui, a desigualdade da moradia em Rio. Na frente tem apartamentos e hotéis de Copacabana, e no morro atrás tem uma favela.



Eu vi que não tem tantos negros bem escolarizados como brancos. Conheço várias pessoas analfabetas ou quase analfabetas. Eu conheço mais pessoas negras que não têm trabalho, ou que têm trabalho de serviço, como porteiro ou empregada. Eu já visitei duas favelas. Fui numa casa que não tinha água quente, nem gelador, nem comida na mesa. A mãe, o pai e 4 crianças moram na casa de uma sala e um quarto, separados só por uma cortina. Eu já vi quem é que janta nos bons restaurantes e quem dança nos boates chiques. Eu vi quem é que bebe na rua e quem vai para pagode. É assim como Brasil parece ser segregado sem o nome de segregação.



Aqui é uma mãe e suas filhas que moram no interior, numa cidade chamada Aratuípe. Pode ver que não tem muita roupa, nem tem vidro na janela.

Alem de ter leis contra racismo no Brasil, ainda tem racismo estrutural e sutil. Como Oracy Nogueira disse, discriminação racial no Brasil está baseada na aparência e não na origem. Então, pessoas com pele escura que seriam discriminadas podem equilibrar as desvantagens da sua cor com a sua inteligência, com dinheiro, com talento, ou por ser bem-vestido. Mas, ainda é difícil para um afro-descendente subir na sociedade porque o que determine sua posição na hierarquia social é muitas vezes a família, a escolarização, e o emprego. Então, existe a idéia que para subir na sociedade brasileira, um negro tem que ter um casamento inter-racial, ou fazer parte de atividades culturais ou seja como capoeirista ou como musico.



Aqui é uma casa de família que esta faltando um parede, com tijolos segurando o telhado.

Eu acho que um outro modo de subir na sociedade vai virar popular entre os negros aqui no Brasil. Durante a campanha de Obama, eu assisti no jornal inglês, um segmento sobre os sete políticos brasileiros que adotaram o nome de Obama para as eleições. O segmento enfocou num cara em particular, Cláudio Henrique, que mora numa cidade na periferia do Rio, onde ser político é um risco da vida. Ele queria ser prefeito para ajudar os moradores de sua cidade, que são pobres e sempre esquecidos pelo governo. Inspirado por Obama, ele falou muito de esperança e mudanças, que ele era o único candidata negro e que nunca tinha prefeito negro lá na cidade dele. Infelizmente ele e todos os outros Obamas brasileiros perderam.



Aqui é um quadro de Obama no Shopping Barra.

Mas os aspirantes políticos não estão sozinhos no culto de Obama. Têm muitas pessoas negras aqui no Brasil e nos EUA também, que pensam que os problemas raciais dos EUA acabaram com a eleição dele. Como ele vem de uma família misturada, e mostrou que podia juntar pessoas de varias raças para elegê-lo, crentes no mito de democracia racial tem um novo interes nele, porque a vitória dele pode simbolizar a superação da raça, e a criação de um mundo sem racismo. Eu acho que a vitória dele mostrou que negros no mundo inteiro tem oportunidades na vida fora de ser atletas ou músicos, mas eu nunca vou dizer que o racismo terminou por causa dele. A gente ainda tem muito mais trabalho pra fazer.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Rastaaaa

O conceito da identidade tem sido discutido ultimamente em função à idéia pós-moderna que a define como: "formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É definida historicamente, e não biologicamente". Então, basicamente isso quer dizer que a identidade é construída socialmente e não é fixa.

Eu quero falar sobre o meu cabelo e como ele atua de um jeito político em diferentes contextos. Quero analisar as conversas, as discussões, os comentários, e as falas sobre ele em diversos espaços e sentidos. O meu cabelo serve como um exemplo concreto da idéia da identidade pós-moderna. A opinião e identidade imposta sobre mim pelas pessoas que me rodeiam muda à medida que desloco o meu corpo no espaço e no tempo. Ao longo desse trabalho, vou fazer referência às categorias de sexo, gênero, nacionalidade e classe porque essas categorias são políticos e o meu cabelo é político.

Então, a pergunta principal que fazem sobre o meu cabelo é o por que. Normalmente as pessoas vêm, se aproximam e dizem....como é que você faz isso?....como pergunta para abrir a conversa. Falo sobre o jeito de dar nós e como trabalho com a argulha de crochet, que só lavo a parte da cima, só boto xampu na cabeça e deixo a água escorrer. Falo que sim, posso entrar na água e nadar só mas que o penteado rasta se desfaz mais fácil assim, então tento não molhar. Falo que quando molho o cabelo, ele demora muito para secar, que é pesado quando está molhado. Logo as pessoas (algumas perguntam e outras não) tocam uma mecha do meo cabelo. Tocam com muita delicadeza, como se fosse quebrar no contato com a mão. Elas inspecionam o cabelo, sentindo a sua textura o rolando na mão. Aí é que fazem a pergunta....e é todo seu esse cabelo? Sim, é sim. E então, é que chegam à pergunta que realmente queriam fazer no começo....por que fez isso ào seu cabelo? As palavras que usam para traduzir a sua curiosidade sobre o meu cabelo transmite a violência atrás por trás da pergunta. É como se o cabelo fosse estuprado. É vítima que merece algum tipo de consolo e carinho depois de um processo assim. Obviamente isso varia de pessoa a pessoa, de conversa a conversa, às vezes é mais cumprida e têm vezes que é mais breve. Porém, quase sempre envolve essas idéias básicas acompanhado com o elemento violento: eu fiz algo ao meu cabelo que o meu cabelo mesmo não queria. Para todas essas perguntas sobre, como, quanto, do meu cabelo, tenho respostas claras, definidas, preparadas e praticadas. Podia ser uma gravação que coloco no momento de alguem perguntar. Faço a voz aumentar do tom, o sorriso, as palavras iguais....tudo igual, todas as vezes. Já virou uma rotina. Só que quando chegam à pergunta final, não tenho uma resposta. Sempre fico sem palavras, sorrindo como se fosse a primeira vez que alguém me perguntava. Falo....mmmm, não sei por que fiz...gostei da aparência. Fiz com uma amiga num momento especial da minha vida, é um tipo de lembrança. As pessoas ficam decepcionadas com isso. Não era o que esperavam ouvir.

O meu corpo é político. É um campo de batalha que provoca classificação e preconceito à vista. É um dos sinais visíveis à distância: não sou daqui, como luzes fosforescentes piscando para atrair ao cliente. Rastaaaaaa, rastafari woman, rasta girl, bob marley, reggae. Tudo isso são comentários que ouço na rua pelo menos uma vez por dia. Não quero abordar o tema do machismo nem tocar nas idéias das cantadas na rua aqui. Não é esse o meu propósito, não dessa vez. Aqui, agora gostaria de falar sobre o conceito da identidade e da minha visão de como é visto aqui, onde sou gringa rasta. É obvio e visto de muito longe, e é fato. Aqui, as pessoas me perguntam se sou negra, se tenho ancestrais negras e quando digo que não, falam....mas, gostaria de ser negra? E as vezes ....mas, você deve ter sido negra em uma vida anterior. Uma vez estava no mercado modelo e estava querendo comprar uma estátua de uma mulher negra....essas de madeira que vendem lá. A mulher que estava me atendendo, me fez essas duas perguntas. Eu falei que sim, gostaria de ser negra e ela com um sorriso na sua cara falou, mas gostaria de ser de que cor? Gosta do meu cor ou desse (falou apontando para uma estátua, a mais negra que tinha no seu quiosque). Falei que não sabia e que tinha gostado das duas. E ela falou....mas, com certeza você foi negra em uma vida anterior. Essa reação foi muito diferente da que recebi na minha casa aqui e em outros lugares da cidade. Aqui, quando cheguei em casa pela primeira vez, minha irmã hospedeira falou para mim, "e...você fez o cabelo assim?" falei que sim, fazia três anos. Ela me olhou com uma cara quase de nojo e disse "eu nunca faria uma coisa assim" e acabou a conversa. Também outras pessoas tem me perguntado por que fiz isso ao meu cabelo liso. Uma vez, esperando o ônibus foi engraçado porque uma mulher começou a me falar sobre a manutenção desse estilo de cabelo. Falei para ela todas as coisas que sempre falo e ela ficou calada. Depois de um tempo, ela falou com um pequeno sorriso (percebei um pouco de tristeza atrás dela) “...é engraçado porque eu faço qualquer coisa para alisar o meu cabelo e você o tem, mas faz rasta. A gente devia trocar de cabelo.” Ela deu uma risada e subiu o ônibus.

O interessante é que as reações ao meu cabelo são diferentes, a depender dos lugares do mundo onde esteja. Tem as pessoas que nem sabem o que é um cabelo rasta. Me dizem, que lindas tranças! Quanto tempo tem? (Isso aconteceu na sua maioria das vezes no México). Quando falo, hum uns três anos, suas caras mudam completamente de interesse para um tipo de choque. Segue a pergunta....e como é que você consegue lavá-lo? Falo que são rastas e que lavo a cabeça só duas vezes por mês blá blá blá. Aquelas pessoas dão um passo para trás e com um sorriso na cara falam..... “ahhh...interessante.” Nos EUA, a reação mais interessante que tenho para compartilhar foi uma vez que estava trabalhando em uma clínica veterinária e enquanto estive agarrando um cachorro, o seu dono tocou o meu cabelo e falou..... “isso!? isso...é arte.” Durante a sua visita enteira estava comentando sobre quanto adorava e apreciava o meu cabelo. Outras pessoas lá nos EUA acham que só sou uma pessoa suja. Que nunca tomo banho e que vou roubar algo das lojas deles. Na Argentina foi interessante porque lá está na moda ter cabelo rasta. Entre outras razões, os argentinos, muitas vezes, achavam que eu fosse de lá e nem comentavam nada. Porém, finalmente, sempre para os hippies de qualquer lugar do mundo, significa não que gosto, mas que adoro a música reggae e sou rastafari de coração (sempre acompanhado com essa idéia de que gosto da natureza e de fumar maconha).

Agora, com isso, cheguei à questão da identidade nacional. Representa uma parte significativa da identidade de uma pessoa, pelo menos a gente foi criada para pensar assim. Obviamente de certa maneira funciona porque uma das primeiras coisas que as pessoas me perguntam no momento de nos conhecer é... é você da onde? Sempre digo que sou americana. Mas, muitas vezes nem me sinto americana. Não sei o que quer dizer ser americana. A nacionalidade é feita de fronteiras (muitas vezes) criadas ou pelo menos designadas e manipuladas pelos seres humanos na luta por ocupar um espaço maior para "um grupo determinado" de pessoas. Mas, realmente o que quer dizer isso? Como é que alguém chega a pertencer como integrante dessa coletividade de pessoas? É só o fato de ter nascido naquela região do mundo que supostamente educa a população "nacional" de certa maneira para que se sentem unificados? Eu sou americana. Essa é uma das minhas identidades aqui em Salvador (talvez a mais importante) porque ao dizer isso, vêm certos "privilégios" e outros preconceitos. Falo com sotaque norte-americano. Caminho do jeito norte-americano. Muitas pessoas me acertam e me chamam americana na rua. Mas, tem vezes que acham que sou argentina ou francesa ou as vezes alemã ou italiana. As vezes não corrigo eles, as vezes sim. Que aspecto do meu visual dá a impressão de que sou de um dos países que não é o meu? Acho que o meu estilo do cabelo tem provocado muitas dessas decisões de classificação, com um fator em comum: meu estatus como estrangeira.

A minha identidade flutua no espaço. É algo imposto em mim por outras pessoas. Até chega mais além do que só o preconceito baseada no cabelo rasta. Por roupas que uso e a biologia que elas escondem, faz que as pessoas pensem saber que o meu gênero é feminina, que sou mulher. Só que não raspo o cabelo das pernas (e essa é uma qualidade de homem). Então, pode ser que seja lésbica. As pessoas ficam pensando....será? É interessante que posso mudar a opinião e manipular o censo das pessoas de acordo com o visual que apresento. Que sou? Todo mundo julga as pessoas pela primeira impressão que lhes dão. Me dizem então, quem sou hoje?

Imagino que essa é a minha resposta da pergunta por que deixei o meu cabelo rasta. Já a respondi. Mas só com dizer que gosto da conversa que provoca nas pessoas dá justiça à complexidade da resposta elaborada com toda essa explicação? Não posso fazer esse discurso todo em uma rotina, nem quero fazer isso. Porque entre a poeira acumulada e sal do mar, enrolado no meu cabelo ficaram milhares de impressões, e comentários para sobrar. Ela vem com explicações e preconceitos, provoca conversa e estranhamento. O meu cabelo é inspirado e grotesco, é seco e molhado, feito e deixado. É tudo e é nada. O meu cabelo é o meu cabelo e não preciso um por quê. O meu cabelo é político porquê.